História da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa

1. O Fundador

Foi em 1946, em Paris, que Jean Nussbaum, médico francês de origem suíça, criou a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, cuja sigla se tornou A.I.D.L.R. Ele desejava dar uma base legal à acção que ele promovia em favor da liberdade religiosa desde o fim da Primeira Guerra Mundial.
Jean Nussbaum nasceu em La Chaux-de-Fonds, na Suíça, no dia 24 de Novembro de 1888. Era médico em Chamonix quando rebentou a Primeira Guerra Mundial. Afectada por uma forte epidemia de tifo, desde o início dos combates, a Sérvia lançou um apelo desesperado ao estrangeiro para obter ajuda de médicos. Jean Nussbaum voluntariou-se e foi destacado para o Hospital de Nis, na Sérvia, no final de 1914. A direcção do Hospital atribuiu-lhe como auxiliar e intérprete uma jovem enfermeira sérvia, Milanka Zaritch. Pouco tempo depois de se terem conhecido, Milanka Zaritch assumiu a direcção do Hospital.
No Outono de 1915, casaram. Milanka Zaritch era a sobrinha de Voyislav Marinkovic, que se tornou Primeiro-Ministro do governo sérvio. Esta ligação familiar introduziu desde cedo o Dr. Jean Nussbaum nos meios diplomáticos e internacionais.
Durante esta estadia na Sérvia, as circunstâncias levaram Jean Nussbaum a intervir junto de um comandante do exército sérvio, para que ele autorizasse um prisioneiro de guerra austríaco, destacado para o Hospital de Nis, a praticar os princípios da sua fé. Quer por falta de tacto quer pela estreiteza de espírito, este último tinha-se colocado numa situação que poderia ter-lhe custado a vida, recusando, como prisioneiro inimigo e em tempo de guerra, submeter-se às ordens dadas. Este acontecimento pode ter tido um papel no despertar do interesse que Jean Nussbaum demonstrou toda a sua vida na promoção e na defesa da liberdade de consciência e de religião.
Depois de ter regressado à Suíça, e mais tarde a França, Jean Nussbaum abriu um gabinete médico no Havre. Quinze anos mais tarde, em 1931, instalou-se com a sua esposa em Paris, onde morou até à sua morte, em 1967. Foi ali que estabeleceu a primeira sede da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa.
Quando o casal morava em Paris apenas há alguns meses, o Dr. Jean Nussbaum foi convidado pelos meios religiosos a intervir num debate sobre um projecto de reforma do calendário mundial, que devia ser apresentado em Outubro de 1931, durante a sessão plenária da quarta Conferência Internacional dos Transportes e Comunicações, organizada em Genebra pela Sociedade das Nações. A Comissão preparatória da Conferência tinha declarado, no seu relatório preliminar, que os delegados escolhidos para esta sessão não tinham fornecido nenhum argumento para considerar que a reforma proposta era incompatível com as práticas religiosas. Os representantes dos meios religiosos foram então convidados a vir defender os seus pontos de vista. Enquanto que os representantes das nações consideravam a questão do ponto de vista económico e social, a maioria dos observadores religiosos tinham percebido que os riscos diziam respeito a milhões de crentes, cristãos, judeus e muçulmanos, no mundo.
Num relatório consagrado a esta Conferência, datado do dia 14 de Outubro de 1931, Joseph Herman Hertz, grande rabino da comunidade judaica do Império Britânico, relata a intervenção do Dr. Jean Nussbaum:
“Ele (o médico) pediu insistentemente à Assembleia para se lembrar de que se tratava ali duma questão importante de consciência, e que qualquer ataque à consciência era incompatível com os ideais da Sociedade das Nações. Todas as intervenções dos observadores foram apresentadas em inglês. Vários delegados não puderam acompanhá-las a não ser pela tradução. Esta intervenção magistral em francês foi directa aos seus corações.”
Dois anos mais tarde, o Dr. Jean Nussbaum aceitou o convite da Igreja Adventista do Sétimo Dia, da qual era membro, para se envolver em favor da liberdade religiosa, continuando a exercer a sua profissão médica. Obteve o apoio de várias personalidades internacionais. A mais significativa foi sem dúvida a do Papa Pio XII, com o qual tinha desenvolvido um bom relacionamento quando este último ainda era o Cardeal Pacelli. O Dr. Nussbaum consagrou uma parte do seu tempo ao serviço da sua Igreja que, em 1887, tinha criado a nível mundial, a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (International Religious Liberty Association), cuja sede se encontra em Washington.
Depois da Primeira Guerra Mudial, a reorganização política na zona da Europa Central, desde o Danúbio até aos Balcãs, com as suas implicações económicas, sociais e religiosas, levantou numerosas dificuldades aos cristãos de muitos Estados dessa região.
Nas suas notas pessoais sobre as suas actividades, Jean Nussbaum relata os seus encontros com personalidades políticas e religiosas na Bulgária, na Hungria, na Polónia, na Roménia e na Jugoslávia. Mas também se desloca até à Espanha, à Etiópia, à França, à Grã-Bretanha, à Grécia, à Itália. A sua atenção chega a voltar-se para o Japão, onde desenvolverá uma actividade em favor dos protestantes, dos católicos e dos ortodoxos em dificuldade.
É em Oxford, em Julho de 1937, que Jean Nussbaum encontra pela primeira vez Marc Boegner, um teólogo e académico protestante, então presidente da Federação Protestante de França. O relacionamento entre eles prolongou-se até à morte do Dr. Nussbaum. Os dois homens apreciavam-se, mesmo se as suas opiniões divergiam sobre como proteger a liberdade religiosa.

2. A criação da Associação

No dia 25 de Abril de 1945, Jean Nussbaum assistiu à Conferência das Nações Unidas em São Francisco. O objectivo era criar uma organização internacional que sucederia à Sociedade das Nações. O Conselho Económico e Social devia tratar os assuntos relativos aos direitos do homem. O Dr. Nussbaum encontrou ali a Sra. Eleanor Roosevelt, a viúva do Presidente dos Estados Unidos da América. Rapidamente, os dois perceberam que estavam de acordo sobre os pontos relativos aos direitos do homem, o que os aproximou no combate que ambos conduziam e contribuiu para a colaboração dos dois ao longo dos anos que se seguiram:
“[…] cada vez que visitava a América, ou seja, pelo menos uma vez por ano, o Dr. Nussbaum era recebido pela Sra. Roosevelt e pelos seus filhos, na propriedade da família. Cada vez que ela visitava Paris, instalava-se no Hotel Crillon e agendava várias reuniões com o doutor, que organizava os almoços quer em casa dele, na Avenida da Grande-Armée, quer na cidade.”
Jean Nussbaum falou-lhe da sua intenção de criar a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa em Paris. Ele desejava que ela se tornasse a sua primeira presidente. As autoridades americanas deram o seu acordo.
Em 1948, Jean Nussbaum criou a revista Conscience et Liberté (Consciência e Liberdade), da qual publicou ele mesmo os três primeiros números. Trabalhar incansável, apresentou numerosas conferências sobre o tema da liberdade religiosa. Gravou emissões radiofónicas acerca deste assunto. André Dufau, o seu principal colaborador na Associação Internacional de 1950 a 1966, escreveu em 1988: “ Depois da Segunda Guerra Mundial, desde 1946, ele utilizou o meio da rádio para expandir as suas ideias de liberdade religiosa de que o mundo tanto necessitava. Cada semana, durante uma dezena de anos, a Rádio Monte Carlo emitiu um programa que se intitulava “Consciência e Liberdade.” Homens de Estado e diplomatas tomaram a palavra, bem como alguns especialistas, como D. Emile Léonard, professor na Sorbonne, a Srta. Michèle-Marie Morey e o Sr. Raoul Stéphan, assistentes da Universidade. Ele confiava às ondas as suas esperanças duma sociedade mais tolerante e fraternal, bem como o resultado dos seus esforços e das suas viagens.”
Jean Nussbaum terminou as suas actividades alguns meses antes da sua morte. No dia 29 de Outubro de 1967, foi vitimado por um ataque-cardíaco. Tinha 79 anos de idade.
Quando, em 1945, em São Francisco, o ministro francês, Jean-Paul Boncour, lhe perguntou: “Quais são os interesses que defende?”, ele respondeu-lhe: “Eu não defendo interesses, eu defendo um princípio: o princípio da liberdade religiosa.”

3. A Filosofia da Associação

Em 1948, dois anos depois da criação da Associação, Jean Nussbaum escreveu estas linhas: “A Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa tem como objectivo divulgar no mundo os princípios desta liberdade fundamental e defender, por todos os meios legítimos, o direito de cada homem a praticar o culto de sua escolha ou de não praticar nenhum. A nossa Associação não representa nem uma Igreja em particular, nem um partido político. Ela deu-se a si mesma a tarefa de reunir todas as forças espirituais para combater a intolerância e o fanatismo em todas as suas manifestações. Todos os homens, qualquer que seja a sua origem, a sua cor, a sua nacionalidade ou a sua religião, são convidados para esta cruzada contra o sectarismo desde que sejam movidos por um espírito de liberdade. A obra a realizar é imensa, mas não estará certamente acima das nossas forças e dos nossos meios, se cada um se envolver no trabalho com coragem.
Praticamos assim o ecumenismo de um modo particular, e de uma forma muito completa. Porque não nos dirigimos somente aos cristãos de toda a terra, mas aos crentes de todas as religões, e até esperamos que o nosso apelo também seja ouvido por aqueles que não a têm. Porque é que não se juntariam eles a nós?”

4. A Comissão de Honra

A primeira presidente desta Associação foi, portanto, a Sra. Eleanor Roosevelt. Acerca dela, André Dufau escreveu: “Ela aceitou a presidência da Comissão de Honra da nova Associação […] que incluia personalidades eminentes como Edouard Herriot, presidente da Assembleia Nacional francesa, e membros da Academia Francesa, como Paul Claudel, Georges Duhamel, André Siegfried, o duque Louis de Broglie.”
Desde a sua criação, a Associação beneficiou do apoio de homens renomados oriundos de meios universitários, religiosos e políticos. Muitos dentre eles foram seus presidentes. Depois da Sra. Eleanor Roosevelt, foi o Dr. Albert Schweitzer, médico francês, académico, prémio Nobel da Paz; depois, em 1966, Paul-Henri Spaak, um homem político belga, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, que tinha desempenhado um papel na formação da Europa do Pós-Guerra. Entre 1972 e 1976, sucedeu-lhe René Cassin, jurista, membro do Instituto, prémio Nobel da Paz em 1968. René Cassim foi um dos inspiradores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. Em 1977, a presidência foi entregue a Edgar Faure, advogado francês, antigo presidente do Conselho de Estado e Ministro da Educação Nacional, até à sua morte, em Março de 1988. Entre 1989 e 2001, Léopold Sédar Senghor, antigo presidente da República do Senegal, membro da Academia Francesa, trouxe, por seu lado, o seu apoio. Hoje, esta presidência está a cargo da Sra. Mary Robinson, antiga Alta-Comissária para os Direitos do Homem e antiga presidente da República irlandesa.

5. Extensão Geográfica

Em 1966, a sede internacional da Associação foi transferida de Paris para Berna, na Suíça. Era necessário responder às necessidades de uma maior proximidade com os locais de reuniões da Comissão dos Direitos do Homem e da Sub-Comissão da ONU para a Luta contra as medidas discriminatórias e de protecção de minorias, que se localiza em Genebra, no Palácio das Nações Unidas.
A partir de 1973, novas secções nacionais foram criadas em diversos países da Europa e da África e, entre 1990 e 1995, nos países da Europa de Leste, como por exemplo, na Roménia, na Bulgária e na República Checa. Uma secção nacional camaronesa está em via de criação.

6. Reconhecimento Oficial

Em 1978, a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa recebeu o estatuto de organização não-governamental (ONG) das Nações Unidas e, em 1985, obteve o mesmo estatuto junto do Conselho da Europa.
No dia 15 de Setembro de 1987, no âmbito do Ano Internacional da Paz, o Sr. Pérez de Cuéllar, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, obteve da Associação o título de “Mensageiro da Paz.”
No dia 27 de Abril de 1998, o seu secretário geral em função, Maurice Verfaillie, recebeu a Cruz de Comendador da Ordem do Mérito Nacional atribuida pelo Rei de Espanha, Juan Carlos.

7. Actividades

A Associação envolveu-se, depois da sua criação, em quatro áreas: as relações com as personalidades políticas, civis, religiosas e académicas; as relações com as organizações internacionais; a organização ou participação no mundo nos seminários, conferências, colóquios nacionais e internacionais consagrados às questões relativas à liberdade de consciência, de religião ou de convicção; a publicação da revista Consciência e Liberdade.
A Associação contribuiu activamente na preparação da Declaração para eliminar todas as formas de intolerância e de discriminação com base na religião ou na convicção adoptada pelas Nações Unidas em 1981. Colaborou igualmente com a Comissão dos Direitos do Homem que, na sua Observação Geral sobre o Artigo 18 do Pacto Internacional relacionado com os direitos civis e políticos, precisa que o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião “implica a liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção de sua escolha, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individualmente ou em comum, tanto em público como em privado.”

8. A revista Consciência e Liberdade

A contribuição mais conhecida para a reflexão e a promoção do direito fundamental à liberdade de pensamento, de consciência e de religião da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa é a publicação do seu órgão oficial, a revista Consciência e Liberdade. Esta revista é encontrada em numerosas bibliotecas de universidades, de organizações internacionais ou religiosas no mundo.
Desde a sua criação, a política da redacção foi a promoção de uma revista de carácter académico, não-confessional e pluralista.
A revista é editada em francês, em alemão, em espanhol, em italiano, em português e em romeno. O primeiro número em búlgaro saiu da imprensa em Dezembro de 1998, e em checo em 2005. De 1949 a 2006, a Consciência e Liberdade, na sua versão francesa, publicou 984 artigos e estudos sobre os fundamentos, a história e as implicações da liberdade religiosa, 237 documentos e 504 informações. No final de 2006, 536 autores no total, de 70 nacionalidades diferentes, tinham assinado os artigos e os estudos. São oriundos de todos os horizontes académicos, políticos ou religiosos.

9. Recursos

O orçamento da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa em Berna é alimentado pelas quotizações das secções nacionais e pelas assinaturas da revista Consciência e Liberdade. Os donativos e as cotizações contribuem para cobrir as despesas de funcionamento e a publicação da revista